terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Chanel, Chanel!

 
O ridículo dos outros que nos fica tão bem!
 
Um dia, lá atrás, um amigo disse algo que nunca esqueci: "Quem tem medo de fazer figuras ridículas é porque tem medo de se expôr". Aquilo mexeu comigo, porque ainda hoje tenho fobia do ridículo, e porém...
Quando observamos os outros no seu dia a dia, por vezes somos implacáveis na sua avaliação, mesmo que não o queiramos. Julgamo-los à luz de determinados pressupostos, e achamos que estamos isentos ou até imunes de incorrermos em situações semelhantes.
Lembro-me, com saudade, de momentos que partilhei com a minha Mãe, Avó e até amigas, em que "gozava" com momentos específicos que considerava hilariantes e até ridículos. Era bastante mais nova e com pouca experiência de vida, e como tal, detinha a sabedoria dos incautos, esses que acham que a vida é o aqui e agora, em que tudo é possível, sem limites, sem consequências! Vem o dia, mais à frente, em que a Vida nos troca as voltas, e com espanto, realizamos que não só nos "damos ao ridículo", como ainda por cima, trilhamos passos semelhantes, quase iguais, aos que criticámos a outros. Tem piada quando não é grave.
Chanel, Chanel, vem cá, onde te meteste? Todos os dias, ao longo dos últimos anos, eu e os outros moradores deste prédio ouvimos esta lengalenga, dita em tom de suave desespero, pela senhora que mora no 8º andar. Eu e a minha filha observámo-la muitas vezes da janela, e ríamo-nos do ritual diário da senhora viúva que passeia duas vezes por dia a sua cadelinha, e que a trata como membro da família, talvez a neta que nunca teve. Ridículo!
Chanel, Chanel, passou a ser um refrão que ambas entoávamos em coro, mal percebíamos a sua presença no parque exterior, donas de uma superioridade acima de qualquer reparo. Até ao dia em que Blackie entrou de rompante nas nossas vidas.

Cachorrinha de pelo negro, brilhante e macio, olhos dourados e meigos, orelhas sempre espetadas, morta de fome e carente de contacto humano, foi dar a casa dos meus sogros, à procura de um porto de abrigo em noite de temporal.
Escusado será dizer que fomos imediatamente adoptados por ela, com a total adesão e insistência da minha filha, que passou a considerá-la a “mana mais nova” que não tivera a sorte de ter!

Nos primeiros dias olhei-a desconfiada, incapaz de decidir se aceitava de bom grado aquela intromissão ao equilíbrio do nosso universo familiar, sobretudo porque a asma e as alergias que sempre me afligiram, impediram que houvesse espaço para animais, tanto em casa dos meus Pais, como em minha casa.
Com o passar dos dias, porém, essa resistência abrandou, fruto da surpreendente ausência de espirradelas e comichões, após contacto com a pequena hóspede de raça indeterminada, e lá me fui habituando à sua presença, grandemente facilitada pelas "graçinhas e brincadeiras próprias de tão tenra idade".
Adaptámo-nos tão facilmente à sua presença, que em menos de um ápice passamos a considerá-la como o mais novo membro da família, a quem chamamos carinhosamente "a nossa filha peluda africana”. 
Reflectindo sobre o quão irónica a vida pode ser, lembrei-me recentemente que a minha Avó materna teve uma cadelinha, durante alguns anos, quando os meus Pais ainda namoravam. Dona de casa aprimorada, senhora de rotinas diárias, ritmos rígidos e possessiva com os entes queridos, teve a dada altura que aceitar, resignada, a emancipação dos filhos. Procurou, por isso, um ser submisso, capaz de aceitar, sem reservas, ser o alvo do seu amor e esmeradas atenções.

Assim, adoptou a Micas, cadelinha tão estimada como se fosse uma filha mais nova, surgida fora de tempo. Micas era o ai Jesus da minha Avó que lhe falava como se esta tudo entendesse, leváva-a para todo o lado, provocando alguns embaraços e inclusivé, fazia-lhe roupa, umas camisolas de malha para a proteger das noites húmidas do cacimbo de Benguela, e "pior ainda", punha-lhe fralda quando ela estava com o cio e impedia-a de sair à rua sem a sua supervisão, porque a "ocasião faz o ladrão"! A virgindade da cadela foi motivo de chacota entre o grupo mais restrito de amigos, o que ofendeu profundamente a minha Avó, mais pelo tema discutido em público, do que pelo facto em si. 

O tempo passou e muita coisa mudou, mas hoje, óbviamente, somos nós o alvo da galhofa dos vizinhos sempre que saímos com a nossa cadelinha para passear, e dizemos, por nossa vez, no mesmo tom de suave desespero, a lengalenga " Blackie, vem cá Blackie..."

Blackie adoptou-nos com 5 meses, em Maio passado, estando connosco há 9 meses. Por mérito próprio, tornou-se membro de pleno direito desta família, contribuindo com uma quota parte de peso (10Kg) para o equilíbrio do quarteto. Em dias de frio, tem direito a vestir a sua camisola rosa, que contrasta lindamente com o seu pelo negro brilhante, e que a protege da húmidade da Serra de Sintra ou da Serra de Grândola, de onde é originária. Senhora de uma personalidade forte, exibe com orgulho e elegância a sua estirpe de membro de uma raça bem determinada, a de ser um cão de caça, um VERDADEIRO PODENGO PORTUGUÊS!


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