A institucionalização do desalento
Revi,
talvez pela 5ª vez, Os condenados de Shawshank, um filme
absolutamente notável, cujo argumento de Stephen King é magistralmente
representado por Morgan Freeman e Tim Robbins. Não pretendo fazer aqui o resumo
da história, pois penso que esta é sobejamente conhecida. É-me mais importante
refletir sobre a mensagem, nada simples mas extremamente humana, que mexeu
comigo de forma profunda e que acredito, em tempos tão conturbados como os que
atravessamos, o seu conteúdo adquire uma actualidade inegável e premente.
Nada deve
ser mais violento, para um ser humano, do que ser confrontado com a morte eminente, seja por que razão fôr. Mas o que dizer de alguém condenado a prisão
perpétua, toda uma vida de reclusão, confinado ao mesmo espaço, as mesmas
rotinas dia após dia, mês após mês, até se perder a noção dos anos, do tempo?
Em ambas as situações, a
do condenado à morte ou a do condenado à prisão perpétua, haverá algo de mais
terrível do que a perda da ESPERANÇA?
Se há filme que aborda a
condição humana nas suas várias vertentes, este é, sem dúvida um dos mais
soberbos, e não sendo eminentemente violento, retrata, porém, a violência na
sua forma mais crua. Mostra-nos a violência dos maus tratos físicos, sejam eles
infligidos pelos guardas prisionais em práticas quotidianas de abuso de poder,
sejam eles infligidos por alguns presos sobre outros, através de actos de violação
e sodomia, também eles em busca de afirmação, através da suprema
humilhação do outro; mostra-nos a violência dos maus tratos psicológicos, cuja
dor e consequências são quantas vezes mais profundas, mais nefastas e mais
imprevisíveis do que as primeiras.
Este é um filme que trata
do teste dos limites do ser humano, que mostra até que ponto podemos ser
reduzidos à condição mínima de dignidade, forçados a descermos ao inferno da
absoluta descrença em nós próprios, e da nossa aparente incapacidade de alterarmos determinadas
situações.
Red (Morgan Freeman), diz
a certa altura, que no início da clausura se odeiam as paredes da prisão, após
uns tempos, habituam-se e adaptam-se a elas e, por fim, acabam
"institucionalizados", ao ponto de, após 40 anos de prisão, preferirem
aí continuar a saírem em liberdade, porque a prisão é a única realidade que
conhecem, é o mundo que dominam e onde são reconhecidos e aceites, por
comparação com o mundo exterior, realidade que lhes escapou e em relacção à
qual se sentem perdidos, assustados, verdadeiros outsiders.
Aqui só sobreviveu o mais
forte, o que conseguiu guardar para si e alimentar uma réstia de ESPERANÇA, de
SONHO, resistindo essa INSTITUCIONALIZAÇÃO.
Por comparação, assim estamos, hoje, aos
milhares, dependentes de uma realidade política, económica e social que nos
reduziu a prisioneiros dentro de um sistema falido, do qual descremos em
absoluto mas que persistimos em seguir, por alegada falta de alternativa.
A imensa maioria deste
povo a que pertenço descrê da capacidade de mudança, e como se condenado a
prisão perpétua, alimenta-se de uma desesperança contante, institucionalizada
por décadas de aceitação deste "status quo" que lhe tolhe os
movimentos e, sobretudo, o intelecto. Alguns, poucos, continuam a demonstrar
uma capacidade de resiliência que lhes permite ir mais longe, sonham com a
liberdade de se reinventarem e de fazerem diferente. Ganham coragem e
aventuram-se pelo desconhecido, partindo as grilhetas do convencional e da
comodidade instalada, fugindo à auto-comiseração. São excepção
à regra da conformidade.
Assistimos, porém, à
evasão dos mais novos, uma geração de afoitos com pouco mais de 20 anos, que
goza desse capital de liberdade que resulta de não carregarem o peso de um
passado de vivências feitas e, que por isso, se recusam a aceitar o desalento
e a rendição. Não estão comprometidos com o futuro porque ainda não agiram
sobre o presente, e detêm, felizmente, essa (in)suportável arrogância de
acreditarem que podem e devem fazer diferente. Nestes, a Esperança ainda não é
uma palavra oca e mítica, é sim o combustível que os move adiante.
Libertos do ambiente
depressivo aqui instalado, farão, provavelmente, muito diferente, algures.
Motivados pela força do sonho e da esperança, realizarão em terra alheia os
feitos que outros lhes permitirem, comprovando, uma vez mais que, para além do
engenho e da arte que todos possuímos, o que nos move é a indizível força da
vontade de vencer e de nos superarmos.
Esta tem sido a história
frequente da diáspora lusitana, a de sermos capazes de ir mais além, de
transcendermos o miserabilismo quotidiano aparentemente impregnado nos genes
nacionais, de sermos tão bons e até melhores do que os outros, em ambientes desconhecidos,
quantas vezes hostis ou nem sempre propícios.
Donde fica a pergunta: se
vencemos em terra alheia, porque não o conseguimos aqui? Porque é que em casa
própria e senhores de condições mais do que favoráveis, nos auto convencemos da
impossibilidade de nos libertarmos do quadro desta prisão mental, que nos
institucionaliza os gestos, nos vence a vontade, nos limita a liberdade de
agirmos positivamente?
Alguém me ajude a encontrar respostas a estas perguntas que todos fazemos, diariamente.
A gerência agradece!