sábado, 7 de dezembro de 2013

Escrevo, logo existo!


Escrever, é soltar as palavras, como quem solta cavalos selvagens que partem num galope desenfreado por vales de liberdade.




Escrevo desde que me lembro, sem tema fixo nem hora marcada, palavras que se agitam diante dos meus olhos, numa rebeldia mansa, que saltam de assunto em assunto, correm desenfreadas levando tudo à frente, num crescendo que marca o tempo com o seu ritmo descompassado.

Em criança fiz das palavras os meus brinquedos favoritos, berlindes furta-cores que rolava entre os dedos com mestria, chocolates irresistíveis com que me lambuzava num vício sem pecado e apenas me engordavam o verbo. Na juventude li tudo o que pude e aprendi que as palavras têm cores e, que tal como as cerejas, dão sabor à vida. Devorava-as num prazer guloso, umas atrás das outras, sem parar, vermelhas, redondas, lustrosas, intensas, ora doces, ora amargas, às vezes enjoativas, mas nunca indiferentes!

Como adulta destaco a escrita como algo que me define, parte intrínseca da minha natureza. Sou o que escrevo enquanto pessoa, e escrevo quem sou enquanto parte da Humanidade, porque me descubro, me reinvento e me transformo através desta dualidade, só na aparência contraditória. 

Saber escrever tem sido a minha meta, a “última dimensão” a alcançar. Escrever bem é dominar as palavras com à vontade, é fazer delas o que quero, ferramentas de bricolage com que construo cenários de fantasia, é calçar sapatinhos de bailarina que rodopiam em pontas, ao ritmo incessante do Bolero de Ravel, são pincéis, com que registo em tons fauve impressões de vida, pintando quadros vibrantes onde reencontro Van Gogh e Gauguin, em amena conversa no Terraço do Café à Noite.

Ser o que escrevo é soltar a avalanche de palavras que me arrebatam o fôlego, como quem solta cavalos selvagens, presos em cercas, que anseiam por partir num galope desenfreado por vales de liberdade. É partir sem destino marcado, num eterno desejo de evasão, em busca de novas emoções, novos horizontes e novas palavras. É encontrar-me com heróis de ficção com quem partilho aventuras fantásticas, como o Marinheiro de Malta, com quem dou de caras em Veneza, segui-lo até à Sibéria e ao mar da China, e deixá-lo, finalmente, em Antígua, levando apenas na bagagem as memórias preciosas de Balada do Mar Salgado. Até novo encontro, desta vez com Santiago, o pescador cubano canceroso de O Velho e o Mar, que me apresenta Hemingway e Martha, que me arrastam para novas aventuras pelo mar das Caraíbas, a bordo do iate Pilar.

Escrever quem sou, é outra coisa! É olhar para o Ser Humano e ter o poder de mostrar, por palavras, tudo aquilo de que este é capaz, para o bem e para o mal. É poder mudar a vida do sem abrigo, estendo-lhe a mão e, provocar, de seguida, o desespero irreversível na adolescente violada por aquele em quem confiou; é confortar o desconsolo do amante que se descobre traído, ver o riso de contentamento no jovem a quem dei o primeiro beijo, é dar abrigo a peregrinos esgotados pelo cansaço e, em simultâneo, liquidar o meu opositor sem a mínima hesitação; é amar alguém perdidamente, sem poder dizê-lo a toda a agente, é cobiçar o bem alheio sem remorso e, em contraponto, esfarrapar-me pelo bem-estar do meu amigo, vítima de doença terminal. É ser Leonardo, o génio da escrita especular, que pôs em perspectiva ideias mirabolantes, que mudaram a percepção do mundo, para sempre; é criar duendes, fadas e bruxas, pôr os animais a falar, num universo mágico de gente pequena, onde o faz-de-conta é real; é pensar apenas nos meus interesses, virar o Norte contra o Sul, pôr o mundo em guerra e resolver o assunto, carregando num botão, enquanto sobrevôo Hiroxima, sobre a luz ofuscante do clarão, provocado pelo ínfimo eletrão.

Escrever quem sou é ignorar o extremo sofrimento alheio em cada dia, e celebrar a paz com palavras solenes, é criar a Sociedade das Nações, proclamar, alto e bom som, que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, ao mesmo tempo que estabeleço novas formas de escravatura; é desenvolver, em simultâneo, a sociedade da abundância e do desperdício, é promover campanhas gigantescas de solidariedade para os esquecidos da sorte, no deserto africano, e em todos os desertos habitados deste mundo! É caminhar, como Bono, por ruas sem nome, na eterna esperança de encontrar o que procuro.

Quem sou afinal?
Sou o que escrevo e escrevo quem sou, porque entro na pele de todas as personagens que vivem nos lugares da minha imaginação, estou em todas as paisagens nunca vistas deste mundo fantástico onde me movo, e de outros que hei-de inventar, através das palavras que ainda quero descobrir.
Porque tenho alma de escritora!

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