Na rotina dos outros, o lugar da nossa novidade. Times Square, Abril de 2011
Férias, viagens, tempo livre para
partir. Simples, não é? Planear o destino da viagem,
reservar os hotéis na
internet, reunir os guias turísticos,
os roteiros de passeios, de lojas, restaurantes e os bilhetes de espetáculos a "não perder", sem esquecer ainda as dicas da
Joana que esteve lá há 15 dias.
Fazer
a contagem decrescente dos dias, na esperança febril de encurtar a distância
que nos separa da data da partida, consultar a metereologia e, finalmente,
fazer a mala, são, só por si, gestos plenos de um imenso gozo, o de vivermos
por antecipação as memórias de um
futuro ainda por cumprir, que iremos registar a cada passo, provas da marca da
nossa passagem por locais desconhecidos, habitados por gentes ainda sem rosto, com
quem haveremos de nos cruzar.
Eufóricos, ansiosos, expectantes, livramo-nos rapidamente e sem remorsos da velha pele que vestimos, conformados, ao longo do ano e, quais crisálidas em metamorfose
acelerada, assumimos confiantes a nova pele de viajantes, borboletas
airosas no momento do primeiro vôo. Leves que nem plumas ao vento, partimos,
deixando para trás as rotinas do nosso
quotidiano, gastas de tão usadas, em direcção a um outro ponto de chegada,
fazendo da rotina de outros o lugar da
nossa novidade. Estranho não é?
Afinal, fazer turismo envolve alguma complexidade. Queremos ter experiências novas, descobrir o que é genuíno. Na realidade, procuramos o Outro, esse eterno desconhecido, esse que é diferente de nós, mas em quem projetamos a nossa própria diferença, sempre na procura da semelhança.
Nada
de preocupante, porque o que importa mesmo é partir! Check-in online feito, a porta da rua fechada com
quatro voltas, não vá o diabo tecê-las, táxi para o aeroporto, dar uma espreitadela no Duty Free, engolir comida de plástico no avião, que já nem fingimos que é deliciosa,
porque no fundo, Roma vale a missa!
Check-out, planta da cidade, folhetos, horários de visitas de tudo e de mais alguma
coisa, de preferência sem guia, que não há paciência para o "follow
me"! Calças de ganga, ténis, máquina digital, um entra e sai frenético em museus, palácios e monumentos. Pausa para um café,
pantomimas de rua no Quai D'Orsay, banhos de sol de inverno num banquinho
de uma praça perdida em Veneza, horizontes sem fim em praias de areias douradas
e mares azul-turquesa, pistas de Ski e tanta neve...no deserto.
Compras,
recordações, fotografias. Muitas fotografias, porque é só isso que é tangível e possível de partilhar com a família, com os amigos, connosco próprios, quando estivermos de novo em
casa, e já só nos restar recordar as emoções dessa viagem. Seja ela qual for: do último verão nas Seychelles, a Nova Iorque fora de horas, ao vôo interminável para Bangkok, com o passageiro do lado que
ressonava alto e dava cotoveladas, uma carteira roubada em
Florença, o Fiat avariado no meio do Pantanal, o espetáculo musical do ano,
perdido, em Berlim!
E
pronto, férias terminadas, rotina retomada, a que de repente, e por breves
instantes, até achamos graça. Lar doce lar! Arrumadas as malas, acrescentamos, com carinho e nostalgia, à coleção já longa, as últimas amostras de shampoos retiradas de casas de banho de hotéis, testemunhas em miniatura de "já aqui estive" e, subitamente, reencontramos o nosso lugar
de sempre, e até parecemos contentes, até trocamos sorrisos cúmplices com o
vizinho que connosco se cruza na fila matinal do autocarro.
Mas
o fim das férias e das viagens é sempre um choque
difícil de absorver. Ainda mal refeitos de aterrarmos, de novo,
neste planeta que é a realidade quotidiana, enchemo-nos de coragem para
enfrentarmos este rame-rame de casa-trabalho-casa pelos próximos,
longos, infindáveis 365 dias que nos esperam, tentando convencermo-nos que
passarão depressa, ao ponto de, até o café requentado do bar da estação parecer
apetecível.
Depois, a caminho do trabalho, damo-nos o
direito a nova e breve fuga, para outra viagem. Nada
de mais nostálgico e de mais delicioso que saborear, devagar e repetidamente, memórias avulsas desses momentos vividos, prolongando o gozo do
visionamento desse filme interior, do qual somos, a um tempo, realizadores e
actores, antecipando já momentos da próxima partida, que virá, sabe-se
lá quando, talvez no próximo verão.
Memórias de experiências únicas que adoçam o amargor que se instalará devagarinho, pouco a pouco, com o passar dos dias cada vez mais curtos, mais frios e mais tristonhos, que anunciarão mais um inverno, o do nosso descontentamento.
* Texto levado ao concurso "2write", publicado a 20/10/2013.
Gostei de ler! Pelo que me apercebo, gostas de viajar...
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